Ao longo de mais de seis décadas, Silveira, figura crítica da arte conceitual brasileira, investigou a tensão entre espaço real, perspectiva espacial e ilusões, enredando significado político em mídias gráficas e instalações que respondem a specific sites. Reconhecido pela exploração do espaço por meio de construções geométricas, o trabalho de Silveira, recentemente expandido pelo uso da mídia digital, é celebrado tanto por seu rigor conceitual quanto por seu impacto formal.
Formada como pintora pelo Instituto de Artes da Universidade do Rio Grande do Sul em 1959, na década de 60 iniciou sua formação artística sob a tutela do pintor expressionista Iberê Camargo, e logo incluiu a xilogravura e a litografia entre suas práticas artísticas. Trabalhando com mídia gráfica expandida desde sua primeira estadia na Espanha (1967), mudou-se para Porto Rico em 1969, para lecionar e trabalhar na UPR Mayaguez Campos. De volta ao Brasil, em 1973, Silveira foi contratado para lecionar na Fundação Armando Alvares Penteado e na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo em 1974. Doutora em 1984 pela ECA/USP, a artista tem uma extensa carreira docente. Desde os anos 60 expõe individualmente e participa em várias Bienais e mostras coletivas, nacionais e internacionais. Tendo recebido bolsas da Fundação Guggenheim (1991), Pollock Krasner (1993) e Fundação Fubright (1994), sua obra está representada em diversos museus e coleções, no Brasil e no exterior.
Uma genealogia para Tropicals e Fauna Mix
Tropicals, o conjunto de oito tapetes desenhados especialmente para o lobby do hotel Cidade Matarazzo, tem a intenção de remeter, parodicamente, ao imaginário de uma fauna brasileira. Há tempos as espécies dessa fauna, recolhidas em manuais diversos, as reproduções dos tratados naturalistas históricos e muitos outros tipos de registro, assombram da imaginação da artista e a movem na direção de tocar as diversas esferas da significação que essa fauna possibilita- quando simplesmente acumulada ou configurada como invasão fantasmagórica de espaços construídos.
Na busca de uma genealogia para Tropicals, pensou que um ponto de partida poderia ser Gone Wild (1996), as trilhas de coiotes pintados no hall de entrada do MCA de San Diego, uma primeira e deliberada animalização da arquitetura, que logo continuou nas trilhas mais misturadas e selvagens de Tropel (1998), quando marcas imaginárias de presas e predadores cobriram a fachada lateral do prédio da Bienal de São Paulo, para aludir à devoração implicada no tema da Antropofagia, proposto para sua 28a edição.
Mas enquanto estas obras pertenceram ao âmbito dos vestígios e marcas indiciais, as que remetem mais diretamente a Tropicals são as que se apropriam de desenhos das diversas espécies, postas em acumulação: esta série começa com Mundus Admirabilis em que insetos daninhos agigantados ocupam espaços arquitetônicos. O primeiro Mundus Admirabilis foi instalado no grande cubo de vidro construído no jardim do CCBB de Brasília, para a exposição Jardins do Poder (2007) e ali, na capital do Brasil, os insetos daninhos presos e isolados em jaula deslumbrante queriam aludir ao caráter nefasto da vida política brasileira. Quando transportada a outros ambientes, no Brasil e no exterior, esta acumulação de insetos e bichos daninhos se revestiu de outros significados, esses ligados à infestação e à deterioração do cotidiano – especialmente quando se juntou às porcelanas de Rerum Naturae (2008), em alinhamento a obras que desenvolvia no período, para comentar e atualizar as pragas bíblicas e históricas na contemporaneidade.
Mais irônicas e certamente ainda mais próximas às intenções envolvidas na série Tropicals é a fauna que compõe os cenários animados realizados com a colaboração de toda a equipe do seu estúdio, em 2017, para o espetáculo musical Fruta Gogoia, em homenagem aos 70 anos de Gal Costa, promovido pelo SESC, com interpretações de Jussara Silveira e Renato Braz e com arranjos de Dori Caimmy. Na primeira cena a cabeleira de Gal é uma sequência de acumulação que vai juntando desenhos de borboletas, corujas, macacos, tucanos, onça pintada, insetos e muito mais... Acompanhando o espetáculo, os dezesseis cenários animados que se sucedem são compostos por conchas, cobras, insetos, asas de pássaros, pele de onça, casca de jacaré e outros... Enfim, ali estava uma fauna que a artista desejava fosse experimentada como gloriosa e muito próxima às possíveis interpretações de exotismo que sempre estiveram aderidas à fauna brasileira...
Neste período já sonhava fazer tapeçarias de parede que pudessem ser vistas como paródia das tapeçarias europeias, históricas e museais, aquelas que mostram cenas e animais existentes ou inventados, deste exótico lado de cá do Oceano Atlântico. Esta serie só agora está em progresso, com o título geral de Fauna Mix.
Tropicals se inseriu, a seu modo, neste desejo, muito presente em sua imaginação. Os oito tapetes de chão concebidos para o lobby do hotel são compostos por uma mistura que junta insetos, lacraias, aranhas, grilos, borboletas, formigas e outros bichos, num leito de folhas, a título de uma flora resumida. O conjunto tem diferentes formas e cores, mas a inscrição desenhada é sempre a mesma, arranjada modularmente, por vezes incluindo pequenas diferenças de escala.
O que desejava perceber, quando esses tapetes foram instalados? Simplesmente como se vai caminhar sobre este fundo de bichos misturados- às vezes o padrão quer ser apenas bonito, mas também pode ser perturbador- pois as figuras foram feitas deliberadamente maiores do que os pés que irão caminhar por cima- esses bichos não podem ser esmagados! Quem sabe imaginariamente eles poderiam se esconder sob as folhas ou escapar do fundo dos tapetes?
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